domingo, 15 de setembro de 2013

Alpinismo

àvista


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Ogro
EIGER04
A virgem, o ogro e o monge. Dos três, o ogro levou a fama. E por toda sua fama, eu queria conhecê-lo pessoalmente. Estava por perto, olhei no mapa, descobri o trem, comprei a passagem e fui. Não fazia a menor idéia sobre qual idioma deveria adotar chegando em sua região. Certamente não seria a língua dos ogros.
Obviamente descobriria em poucas horas chegando lá. Nem francês, nem inglês, mas o suíço-alemão, ou alemão-suíço? Bom para mim não fazia a menor diferença, pois eu não falava ou compreendia uma palavra sequer daquele dialeto local.
Nada como chegar sozinho na Suíça para descobrir que lá são aceitos nada menos que três ou quatro idiomas – francês, italiano, suíço-alemão, e o inglês até serve. Claro que com preferências regionais. Se você quiser visitar o “ogro”, o inglês vai te salvar, mas farão cara feia na resposta, afinal você, turista do terceiro mundo, deveria saber o tal suíço-alemão!
Enfim, não estava nem um pouco preocupado com isso, mandei o inglês goela abaixo dos gringos, algum francês se necessário, e adiante para o camping mais próximo (claro nem pense em chegar na Suíça e achar que tem hotel baratinho, o franco-suíço na época valia mais que o euro!).
Aos 27, mas agindo como se tivesse 10 anos, eu queria pelo menos chegar aos pés do “ogro”. Vocês já devem saber que falo do Eiger, provavelmente a montanha mais famosa dos Alpes ou talvez de toda a Europa, quem sabe empatando ali com o Mont Blanc.
Eiger, em suíço-alemão (ou só em alemão?) significa ogro, se bem me lembro. Não estava dando muita importância para a cidade-presépio em que o ogro mora. Grindelwald é realmente um presépio. Gramados perfeitos, casarões suíços, ruazinhas asfaltadas pelas quais quase nunca passam carros, campos de flores, um vale que começa verde embaixo e termina cinza e branco antes de virar azul.
Não que não desse importância para a pacata Grindelwald e seus idosos turistas e moradores, mas meus olhos miravam apenas aquela parede. É realmente impressionante a presença da nordwand sobre a cidade. Ela já se colocou em destaque naturalmente, a fama foi conseqüência.
São 2000m de parede vertical com seções negativas. Hoje virou “carne de vaca”. Já teve quem a escalou em tempo recorde de 2 horas e uns quebrados, já teve quem mandou solo no inverno, solo no verão, em simultâneo, solo com um “base” nas costas ( como ilustra a foto abaixo com o senhor Dean “Pot”), agora só deve faltar mandar a parede descalço, ou coisa do tipo.
DEAN_EIGER
E parece que a fama do Eiger atraiu os famosos. O primeiro grupo a conquistar a parede norte, em 1938, contava com a participação do renomado Heinrich Harrer, o protagonista da bela história real dos Sete Anos no Tibet. O que poucos lembram é que aquele amigo dele, do filme, que se casa com uma tibetana, Andreas Heckmair, também estava na cordada de 1938.
A primeira ascensão da montanha, pela hoje conhecida como via Normal, aconteceu em 1858, 80 anos antes. Certamente desde aquela época os montanhistas já desejavam a face norte, que matou pelo menos uma meia dúzia de aventureiros até a conquista de 38.
Talvez a tentativa mais marcante tenha sido não a de sucesso, mas a que a antecedeu e fracassou, em 1936. Depois da primeira tentativa em 1935, na qual morreram os alemães Karl Mehringer e Max Sedlmayer – que lutaram durante quatro dias na parede e chegaram até a sua metade, mas foram pegos de surpresa por uma tempestade – foi a vez dos compatriotas Aderl Hinterstoisser e Toni Kurz, junto com os austríacos Willy Angerer e Eddie Rainer.
Aderl deu seu sobrenome à também famosa travessia da nordwand. A travessia de Hinterstoisser resolvia um problema chave da parede e abriu o caminho rumo ao topo da montanha e a conquista da face norte. Mas, ao armarem seus bivaques em um local que ficou conhecido como o “Bivaque da Morte”, seus destinos pareciam selados. O local ganhou este nome por ser o mesmo em que morreram os dois alemães da tentativa anterior.
EIGER03
Na manhã seguinte, ao acordarem, a montanha já havia fechado as portas. A travessia se tornara impraticável, coberta de neve. Resgatadores conseguiram chegar a apenas 100m do grupo, mas lá, a cena era de morte. Hinterstoisser caíra, Angerer estava enforcado pela corda e pendurado, morto, e Rainer também falecera congelado. Kurz estava vivo.
Tiveram de passar mais uma noite suspensos e na manhã seguinte os resgatadores pediram para Kurz armar um rapel e descer até eles. Com muitas dificuldades ele conseguiu armar o sistema, mas sua corda enroscou. Uma avalanche o pegou, foi o fim.
São muitas as outras histórias de vida e morte na face norte do Eiger. A minha não foi nenhum épico. Consegui apenas chegar até sua base e acampar ali. A meta era apenas olhar, como quem vê pessoalmente uma celebridade e fica embasbacado. Foram apenas três dias, mas o ogro fez o favor de dar suas calorosas, ou melhor, geladas, boas vindas.
No primeiro dia, sol, céu azul. Cai a noite, chuva e frio. As nuvens chegam e param na face norte, que age como uma “concha” na vertical, segurando as frentes. Foram horas ininterruptas de chuvas torrenciais, eu não acreditava que estava lá levando uma chuva tão “tropical” quanto às que estamos acostumados por aqui, em plena Suíça.
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Quando minha barraca já estava molhada por completo, ele deu uma trégua e deixou as nuvens partirem. Aproveitei a volta do sol pela manhã, após uma péssima noite, para secar um pouco aquela “lambança”, mas ainda assim tive de partir carregando peso extra graças a água acumulada em roupas e etceteras.
Pensei, “se uma noite aqui na base da nordwand já é ruim assim, imagina lá em cima!” Bem, ruim é modo de dizer, eu largaria tudo para estar lá agora novamente. O Eiger é assim, sempre deixa sua marca. Era de se esperar que em se tratando de um ogro, a coisa não seria fácil. Já a virgem e o monge – Jungfrau e Mönch – que são os outros dois cumes que formam a tríade mais famosa de Grindelwald, devem aproveitar a fama do ogro para guardar seus segredos verticais longe da atenção e dos holofotes.
PS. quem quiser saber mais sobre o Eiger basta buscar no Google para encontrar quase 2 milhões de resultados. Bonne chance.
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Audácia
Uma perspectiva pessoal da história do montanhismo
Mark Twight

O texto abaixo é uma tradução do trecho homônimo, do livro de Twight, “Alpinismo Extremo: escalar alto, rápido e leve” publicado no fim dos anos 90. Muitas escaladas ainda mais difíceis e inovadoras, e rápidas e leves, já foram feitas após as descritas no texto a seguir. Basta uma rápida pesquisa em sites especializados para constatar que a evolução continua. Mas como o autor afirma no final, é conhecendo o passado que o futuro se desenrola.
Historicamente a imprensa de montanha americana prestou pouca atenção ao alpinismo, centrando-se somente em grandes paredes e em ascensões nas quais se sitia a montanha. Houve exceções, obviamente. Os feitos de Messner no Himalaya saíram em primeira página, mas muitos dos feitos conquistados, alcançados por pessoas que escalaram de maneira rápida e leve nos grandes maciços, só mereceram algumas linhas. Sem ser uma lista exaustiva dos avanços do alpinismo, os feitos descritos a seguir influenciaram minha maneira de entender a escalada em montanha.
A escalada em estilo alpino se converteu em arte nos anos 80, mas não teria evoluído sem aqueles visionários que subiram as caras norte do Eiger, do Cervino (Matterhorn / Cervin), das Grandes Jorasses, e outras faces norte dos Alpes nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial. Subir essas clássicas hoje continua produzindo bastante admiração pelos alpinistas que tiveram valor de se aventurar neste terreno desconhecido com o material primitivo da época.
Depois da guerra, se abriram novas vias difíceis entre as que já existiam em todas as grandes paredes. Walter Bonatti abriu uma das vias mistas mais difíceis dos Alpes, na cara norte do Grand Pilier d´Angle, no Mont Blanc, em 1962. Foi um valente passo para o futuro, servindo-lhe de treinamento para a primeira ascensão invernal do Esporão Walker, em 1963, e sua nova via no Esporão Whymper das Grandes Jorasses, com Michael Vaucher, em 1964.
À medida que subiu o nível e melhoraram as técnicas de treinamento, vias que levavam três dias passaram a ser feitas habitualmente em um. Reinhold Messner começou esta moda fazendo em solitário a via Davaille, na cara norte do Les Droites, em 9 horas, em 1969. Até então, os piolets curtos e com lâmina curva eram usados a apenas 3 anos, as lâminas “banana” eram uma quimera e o que se usava normalmente como segundo piolet era um punhal de gelo.
Os anos 70 vieram com a abertura de numerosas vias de gelo vertical nos Alpes e em outros lugares, destacando a Cecchinel-Nomine del Pilier d´Angle e o Couloir (corredor) Nordeste dos Drus, assim como o Super Couloir do Mont Blanc do Tacul. A escalada de cascatas (de gelo) avançou depressa na América do Norte. Com o desenvolvimento dos piolets, a técnica e os conhecimentos, essas vias tiveram repetições rápidas e em solitário.
Como as montanhas não cresciam ou se tornavam mais difíceis, os alpinistas se concentraram na velocidade e na pureza do estilo. Se faziam habitualmente em solitário vias como a norte do Les Droites em 4 ou 6 horas. Para rechear as 18 ou 24 horas restantes, começaram a encadenar paredes no dia. Durante o inverno de 1983, o grande alpinista francês Christophe Profit subiu as caras norte do Les Droites, a Aiguille du Talefre e as Grandes Jorasses (pelo Linceul) em uma única jornada de 21 horas. Em 1989 Patrick Gabarrou cruzou o maciço do Mont Blanc em solitário, subindo várias caras nortes.
Essa época de encadenar escaladas nos Alpes alcançou seu clímax em 1996 quando Patrick Berhault e François Bibollet combinaram vias extremamente difíceis no Les Droites (Colton-Brooks), nas Grandes Jorasses (Colton-McIntyre), no Pilier d´Angle (Cecchinel-Nomine) e o Hyper Couloir na cara sul do Mont Blanc. Ainda que restem por fazer outros muitos encadenamentos em maciços do mundo todo, a referência se estabeleceu nos Alpes e é preciso olhar outros lugares para encontrar outros grandes objetivos.
O começo dos anos 90 nos Alpes viveu a abertura de itinerários muito difíceis que transcorriam por formações de gelo efêmeras. Andy Parkin e eu abrimos Beyond Good and Evil na cara norte da Aiguille des Pelerins, em 1992. Scott Bakes e eu subimos uma via nova na cara norte da Aiguille Sans Nom um ano depois e a graduamos como mais difícil que Beyond. Andy e François Marsigny abriram vias parecidas, sendo a mais difícil a Alaskan Freeway no Dent du Caiman, em 1998. Cada nova via era mais comprometida que a anterior.
Paralelamente a estes avanços na Europa, o alpinismo extremo também evoluiu em outros lugares. George Lowe e Chris Jones puseram toda a carne para assar nos 1.800m da cara norte do North Twin, nas rochosas canadenses, em 1974, e subiram até chegar em uma situação na qual não podiam abandonar. Sem comida e sem combustível, e ficando quase sem equipamentos, foi a força de vontade de Lowe e o alto potencial de sobrevivência de Jones que lhes permitiu terminar a ascensão. Acaba o século vinte e esta via segue sem repetição. Em sua maior parte, só montanhas da América do Norte que ainda não foram invadidas por meios de acesso mecânico, exigem o compromisso necessário para se completar uma via como essa.
Em 1977 George Lowe formou cordada com Michael Kennedy para fazer a primeira ascensão do esporão Infinite, na cara sul do Mount Foraker, no Alaska. Esse esporão supõe 3.000 metros verticais de escalada difícil até um cume remoto de 5.200m do qual não é fácil descer. A cordada levou somente nas mochilas o justo para ir com um mínimo de segurança e funcionou de maneira totalmente autônoma durante onze dias.
A escalada alpina de dificuldade chegou no Alaska em março de 1981 quando Mugs Stump e Jim Bridwell fizeram a primeira e, até o momento de escrever estas linhas, única ascensão da cara oeste do Moose´s Tooth. Esta via ultrapassou os limites da imaginação de muitos escaladores, eu incluso, ao tempo que deixou egos de outros no chão. Mugs, pouco depois de fazer isto seguiu com sua subida ao Pilar Norte do Mount Hunter. Em geral não se considera a sua a primeira ascensão porque não continuou até o cume, mas para ele foi uma de suas melhores escaladas. Ele e Paul Aubrey atacaram os 1.200m do pilar com mochilas leves, duas tendas de bivaque e um portaledge para os dois. A via está graduada como 6a/A3, 90-95 graus em gelo e não se fez nenhum outro itinerário de dificuldade comparável nos treze anos seguintes.
Mugs usou seu estilo leve e rápido pelo mundo todo, culminando-o com sua ascensão em solitário no Esporão Cassin do MacKinley em pouco mais de 15 horas, em 1991. Demonstrou que um alpinista com nível e em forma, e com uma mente aberta pode fazer as vias grandes em um só ataque. Mugs, que motivou toda uma geração de alpinistas americanos, morreu em uma greta no MacKinley, em 1992.
Seguindo o caminho traçado por Mugs, ascensões rápidas e leves de vias técnicas tornaram-se mais freqüentes no Alaska. Em 1994 Scott Bakes e eu abrimos Deprivation no Pilar Norte do Mount Hunter, em 72 horas entre subida e descida. Steve House e Eli Helmuth seguiram, em 1995, com sua ascensão da via de 1.800m, First Born, na parede Fathers and Sons do MacKinley, em 36 horas entre subida e descida. House fez em solitário uma rota nova de 2.100m na cara noroeste do Pilar Oeste do MacKinley, Beauty is a Rare Thing, em 14 horas, em julho de 1996. Em 1997, com Steve Swenson abriu uma via de 900m no pilar sul do MacKinley que chamaram de o Pilar de Mascioli. Fizeram a via, graduada de 6b/A0, 90 graus de gelo, em 30 horas, entre subida e descida.
Tendo acumulado experiência suficiente com táticas de ataque rápido nas montanhas do Alaska, Steve tentou algo ainda maior e levando menos material. Em junho de 1998, com Joe Josephson, abriu uma via de 2.160m até o cume do King Peak, um pico de 5.200m junto ao Mount Logan no maciço do St. Elias. As duas mochilas da cordada pesavam 13,5kg no total. Escalaram com uma só corda de 9,4mm a toda velocidade, subindo e descendo em 35 horas.
Durante esta época e em outros lugares, Rolando Garibotti e Doug Byerly subiram em estilo alpino as 37 enfiadas de Tehuelche na cara norte do Fitzroy, na Patagônia. “Rolo” disse que escalar em estilo alpino era “uma maneira de fazer justiça e mostrar respeito a uma parede tão bela e a um pico tão grandioso”. A cordada demorou 48 horas desde que saiu do campo base até regressar ao mesmo.
Adicione à escalada alpina a grande altitude e tudo ficará mais complicado. A tática de ir com pouco peso foi utilizada em gigantes do Himalaya desde épocas tão antigas quanto a tentativa de Alfred Mummery no Nanga Parbat, em 1895. Expedições leves mostraram seu êxito durante a subida austríaca do Broad Peak, em 1957, quando Hermann Buhl e Kurt Diemberger fizeram o cume.
Em 1975, Reinhold Messner e Peter Habeler deram o maior salto da história do himalaysmo subindo o Hidden Peak (conhecido também como Gasherbrum I, de 8.068m) em três dias, entre subida e descida, em estilo alpino puro. Até então, o resto dos cumes de oito mil metros haviam sido alcançados com subidas lentas, usando muitas cordas fixas e acampamentos bem abastecidos, de maneira que quando Messner e Habeler cortaram o cordão umbilical da segurança, entraram no desconhecido.
Três anos mais tarde esta cordada foi a primeira a subir o Everest sem oxigênio, se bem que é verdade que estavam em uma expedição pesada na qual assediavam a montanha. Messner fez em solitário a parede Diamir do Nanga Parbat dois meses mais tarde. Logo, em 1980, subiu o Everest sem oxigênio e solo. Não teve nenhum tipo de ajuda acima do acampamento base nos três dias que durou a ascensão. Os alpinistas, com os olhos já abertos, começaram a aplicar a tática de expedições leves no Himalaya, e os europeus dominaram a cena do estilo alpino em altitude.
Em 1982, Doug Scott, Roger Baxter-Jones e Alex McIntyre aproximaram-se da cara sul, ainda virgem, do Shishapangma e começaram a escalar. Depois de três bivaques, fizeram cume em estilo alpino. Abriu-se a veia, e a velocidade se converteu no novo espírito da escalada em altitude.
O ano de 1985 foi incrível quanto às escaladas no Himalaya. Benoit Chamoux fez o Esporão dos Abruzzis do K2 em 23 horas, somente dois dias depois de subir em solitário o Broad Peak em 16 horas. Eric Escoffier subiu o K2, o Hidden Peak (Gasherbrum I) e o Gasherbrum II no período de um mês. Estas ascensões não foram estritamente em estilo alpino, já que se beneficiaram da presença de trilhas e cordas fixas de outros alpinistas. Ainda assim, com cada ascensão se ganhava mais conhecimento.
Erhard Loretan escalou com Escoffier no K2. No outono anterior Loretan havia feito a primeira ascensão da aresta leste do Annapurna com Norbert Joos. Percorreram 7 quilômetros e meio de aresta entre 7.000 e 8.000 metros, bivaquearam duas vezes acima dos 8 mil metros e atravessaram a montanha, descendo pela cara norte. Após o K2, Loretan arrematou o ano unindo-se a Jean Troillet e Pierre-Alain Steiner na primeira invernal da cara leste do Dhaulagiri, fazendo-a em 36 horas.
Em cada uma destas ascensões, Loretan foi reduzindo mais e mais seu material, até que sua cordada subiu sem mochila no Dhaulagiri. Nesta época, o que Wojtek Kurtyka chamou de escalada “a pelo”, alcançou seu máximo expoente em agosto de 1986, com a destacável subida do Everest em 43 horas, entre subida e descida, por Loretan e Troillet.
Além das subidas rápidas e sem oxigênio, as montanhas de 8.000 metros também viram ascensões técnicas. Em 1984, dois catalãos, Nil Bohigas e Enric Lucas acabaram uma via que haviam tentado René Ghilini e Alex McIntyre na imponente cara sul do Annapurna (McIntyre morreu por uma queda de pedras enquanto descia da parede em 1982). Essa cordada, extremamente audaz, passou seis dias em uma parede que concentrava as maiores dificuldades a uns 7.100 metros (6a/A2, 80 graus em gelo). Mais acima entraram na via dos Polacos e, após fazer cume, rapelaram a via (2.500 metros verticais) até o acampamento base em um só dia.
Os 2.500 metros da cara oeste do Gasherbrum IV (7.925 metros), conhecida com o a Parede Resplandecente, viu numerosas tentativas no começo dos anos 80. Em 1985, Wojtek Kurtyka e Robert Schauer subiram em estilo alpino, mas não fizeram cume por algumas centenas de metros. Presos em uma tempestade de dois dias no alto da parede, ficaram sem comida e sem água. Começaram a ter alucinações. Schauer acreditava ser um grande corvo, sobrevoando seu próprio corpo, esperando para fincar-lhe o bico até deixar só os ossos. Quando passou a tempestade, decidiram descer e sobreviver antes de correr o risco de atravessar até o cume principal.
Uma última via em um 8.000 merece atenção, porque marcou o começo de um período em que os eslovenos começaram a dominar a escalada no Himalaya. Em 1991, dois eslovenos muito ativos e visionários, Marko Prezelj e Andrej Stremfelj, subiram a impressionante aresta sul do Kangchengjunga à vista e sem ajuda. O alpinista e escritor Stephen Venables considera esta subida como “uma das mais audazes de todos os tempos”. Estas três escaladas (do Kangchengjunga, da Parede Resplandecente, e da face sul do Annapurna) são um claro expoente do compromisso e da segurança em si próprio necessários para subir em estilo alpino qualquer montanha.
Prezelj e Stremfelj continuaram seu êxito do Kangchengjunga com uma escalada de 2.000 metros da extremamente perigosa face sudeste do Menlungtse (7.181 metros). Ainda que não seja um 8.000, montanhas como o Melungtse foram cenário de muitos avanços técnicos nos últimos anos.
Mick Fowler e Victor Saunders subiram o Golden Pilar do Spantik (7.028m) no Paquistão em sete dias, em 1987, em um esforço futurista. Os 2.100m de via no pilar noroeste da montanha tinham mais de vinte cordadas de grau V escocês (e em alguns pontos ainda mais dificuldade), escalada artificial e seguros duvidosos. A pobre qualidade da rocha e o gelo fino davam poucas oportunidades para montar rapeis, de forma que meter-se nesta parede exigiu muita decisão.
A face norte do Changabang (6.848m) na Índia, ainda que não tão comprometida, é tecnicamente mais difícil que o Spantik, com enfiadas mantidas de IV e V grau escocês arrematados com passos chave de VI (descritos na típica subestimação britânica como “difícil”). O mal tempo e a ventania dificultaram a subida, em 1997, de seus 1.600m de parede. Mick Fowler e Steve Sustad se uniram a Andy Cave e Brendan Murphy na parte alta do Changabang após começar a subir com um dia de diferença. Acabaram escalando juntos, permanecendo mais de uma semana na parede. Descreveram muitos dos bivaques como “daqueles que criam caráter”, sentados e expostos a um vendaval contínuo. A descida exigiu outros seis dias nos quais Murphy morreu em uma queda. Fowler denominou mais tarde esta ascensão como “a maior aventura de minha vida”, mas admitiu que talvez tivessem exagerado “um pouco”.
As histórias de escaladas extremas mencionadas nestas páginas dão outra idéia da história do alpinismo moderno e das muitas disciplinas possíveis que existem dentro do estilo alpino. Todas apontam para um futuro no qual as vias que ontem se assediavam com técnica pesada acabarão sendo feitas em ataques rápidos, “a pelo” e por alpinistas com talento e mentalidade aberta, que surgem, aos gloriosos e ao mesmo tempo penosos, esforços de hoje.

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